Os vinte e sete livros do Novo Testamento provavelmente só foram preservados por se acharem em conexão com as coleções eclesiásticas, e não por terem sido copiados diretamente de originais isolados. A história do cânon tenta entender de que modo tais coleções e, finalmente a coleção do Novo Testamento tomaram a forma que possuem. Embora os livros do Novo Testamento só tenham chegado até nós como parte de uma coleção aprovada pela igreja, nenhum deles foi incorporado a tal coleção. A revelação de Deus fora conservada de forma escrita, como se mostrava evidente para a igreja primitiva bem no início de sua existência.
No final do século I os livros já haviam chegado ao seu destino. Nem todos se tornaram conhecidos por todos os cristãos logo de início. Pelo contrário, é muito provável que alguns dos cristãos primitivos não tivessem visto todos os evangelhos, nem todas as epístolas antes do fim do século. Além disso, muitos evangelhos, atos e epístolas apócrifas circulavam durante o segundo século e foram aceitos por alguns grupos, senão não teriam sequer sobrevivido. A valiosa literatura dos cristãos primitivos que expressavam sua fé e dedicação era preservada pelas congregações em todo o império romano. Esta autoridade canônica repousava sobre o testemunho ocular de doze homens.
1) DEFINIÇÃO
A palavra “Kanwn” significava primitivamente “vara ou régua” de uma maneira especial era usada para medir algo em linha reta, à semelhança da linha ou régua dos pedreiros e carpinteiros. Passou a significar metaforicamente um padrão. Em gramática significava uma regra; em cronologia, uma tabela de datas; em literatura uma lista de obras que podiam ser corretamente atribuídas a um determinado autor. O processo bíblico pelo qual os livros foram escolhidos é então chamado de canonização.
2) O CRITÉRIO CANÔNICO
Em resumo o processo foi o seguinte: os livros que chamamos de Novo Testamento foram escritos; eles foram amplamente lidos; foram aceitos pelas igrejas como úteis para a vida e a doutrina; foram introduzidos na adoração pública da igreja; ganharam aceitação através de toda a igreja e não apenas das congregações locais; e foram oficialmente aprovados mediante decisão formal da igreja. Porém, a igreja estabeleceu alguns critérios para selecionar os escritos, dentre os quais destacamos:
. A Apostolocidade: O material em consideração pela comunidade eclesiástica deveria ter sido redigido por um dos doze que conviveram com Jesus, pois eram tanto testemunhas oculares pessoais do ministério de Cristo como os primeiros líderes da Sua igreja. Assim sendo o testemunho deles tornou-se a primeira autoridade nesta nova comunidade de fé. Já que estes ficaram com a responsabilidade de instruir os novos discípulos seu testemunho deveria ser aceito pela igreja como possuindo a autoridade de Jesus. Logo os seus escritos deveriam ser aceitos. Se o escrito procedesse de alguém que não estivesse no grupo dos doze, mas que tivesse alguma relação com estes seria aceito.
. A Catolicidade: Este fator envolve a circulação, o uso e a aceitação do livro. Já que não era fácil comprovar a autenticidade apostólica, esta característica auxiliou e muito a confecção do Cânon. “Os autores tinham no geral seguidores em sua igreja e comunidade, mas só os livros usados pela igreja inteira vieram a ser incluídos no Cânon. Como os pastores e membros das várias congregações se comunicavam entre si, os livros mais usados se tornaram obviamente conhecidos”.
. A Ortodoxia: Esta também era um importante fator na questão da seleção. Nos relatos, livros escritos que para serem canonizados deveriam possuir no seu bojo um conteúdo doutrinário cristalino. Nenhum dos escritos que concorriam a uma aceitação canônica poderia contrariar àquela ortodoxia característica das primeiras décadas. Isto possibilitou a igreja a expor e repudiar as grandes heresias dos primeiros séculos e preservar a pureza do Evangelho. E quando havia erros ou obscuridades nos escritos estes eram tirados da lista canônica.
. Inspiração: A última prova para canonizar era a inspiração. Os livros escolhidos davam evidências de serem divinamente inspirados e autorizados. O Espírito Santo guiou a igreja para que ela discernisse entre a literatura religiosa genuína e a falsa. Houve a necessidade de certo período de tempo para se concretizar.
3) OS PRIMEIROS ESCRITOS
Os doze apóstolos eram o cânon e o foram enquanto viveram, já que a comunidade cristã dos primórdios preferia a mensagem proferida oralmente por aquelas pessoas que testificaram, estando presentes e participantes do ministério de Jesus. “Bem cedo na história da comunidade cristã, quem sabe ainda dentro da quarta década do primeiro século, surgiram os primeiros escritos que seriam a semente onde o Novo Testamento procede. Eram documentos rudimentares, escritos provavelmente em aramaico, sendo que os testemunhos teriam de ser em hebraico. Esses testemunhos eram textos do Antigo Testamento catalogados pelos primitivos missionários com a finalidade de provar o caráter messiânico da encarnação, ministério, morte e ressurreição de Cristo. Muito destas listas de textos provas serviu à composição dos evangelhos”.
4) O SURGIMENTO DE UM CÂNON
A coletânea dos textos cristãos primitivos que estava começando a ser feita trouxe um estímulo à evolução desse processo. Muito provavelmente, no fim do século I já havia uma coleção das dez epístolas de Paulo.
. Cânon de Marcião– De concreto sabemos que uma coleção de dez epístolas paulinas só aparecem claramente confirmada com Marcião, por volta do ano 140 d.C., mas é bem pouco provável que Marcião tenha sido o primeiro a reunir tais epístolas. O cânon de Marcião foi o primeiro a ser adotado por um grupo de seguidores de Marcião. O cânon de Marcião provocou uma reação violenta no seio da igreja. O fato de rejeitar certos livros mostrava que tinham sido considerados como revestidos de autoridade no tempo de Marcião e os oponentes deste acorreram em defesa dos livros que ele rejeitava. Irineu atacou-o, e Tertuliano escreveu cinco livros contra os seus erros. A organização arbitrária de um cânon por Marcião mostrou que: os livros aceitos deviam ser considerados como autênticos; e que aqueles que rejeitaram eram aceitos como canônicos pelos cristãos em geral. Por volta de 150 d.C. a igreja não tinha o seu cânon formalmente expresso; contudo, referências prévias mostraram que a maioria dos livros do Novo Testamento estava praticamente em uso da Síria, na Ásia Menor e em Roma; já na metade do século II, a força do cristianismo se havia transferido para Roma, a cidade imperial. Os ensinos heréticos de Marcião, sua adoção de um cânon e a popularidade dos seus ensinos poderiam ter forçado a igreja a reconhecer formalmente um Cânon.
. Cânon Moratoriano – O cânon Muratoriano embora seja um documento fragmentário revela que já havia uma lista do Novo Testamento, provavelmente em oposição ao cânon herético de Marcião. O Cânon Muratoriano omite Tiago, I e II Pedro e Hebreus, o próprio manuscrito não é mais antigo do que o século VII, mas o seu conteúdo pertence provavelmente ao último terço do século II, cerca de 170 d.C. O fragmento muratoriano representa uma coleção oficial de livros que difere do Novo Testamento atual apenas pela exclusão de quatro e a inclusão de um. Nomes como Irineu, Tertuliano e Clemente de Alexandria são mencionados pela história da igreja como defensores de um Cânon do Novo Testamento. Os três grandes teólogos do fim do século II, pois, reconhecem um Novo Testamento que contém os quatro evangelhos e uma parte apostólica, a qual pertencem incontestavelmente as 13 epístolas de Paulo, os Atos dos apóstolos, a 1ª carta de Pedro, a 1ª carta de João e o Apocalipse, ao passo que a canonicidade das cartas gerais e Hebreus não estavam determinadas, e ocasionalmente outros escritos eram encarados e abordados canônicos. Vale salientar que uma outra lista foi preparada por Cirilo de Jerusalém contendo todos os livros atuais do Novo Testamento com exceção de Apocalipse. O Cânon do Novo Testamento que obteve finalmente a aprovação em toda a igreja foi estabelecido por Atanásio, bispo de Alexandria, em 367 d.C. que em sua carta pascal desse ano fez uma declaração importante para a história do Novo Testamento. Esta lista foi mais tarde aprovada pelos concílios da igreja reunidos em HippoRegius em 393 e Cártago em 397, e permanece sendo o cânon do Novo Testamento hoje. O que os Concílios da igreja fizeram não foi impor algo novo sobre as comunidades cristãs, mas codificar o que já era a prática geral daquelas comunidades.
5) A CONCLUSÃO DO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO
O cânon, lista dos volumes pertencentes a um livro autorizado, surgiu como um reforço à garantia centralizada no bispo e à fé expressa num credo. As pessoas, equivocadamente, supõem que o cânon é uma lista de livros sagrados vindos diretamente dos céus ou, imaginam que o cânon foi estabelecido pelos concílios eclesiásticos. Não foi assim, pois os vários concílios que se pronunciaram a respeito do problema do cânon do Novo Testamento apenas o tornavam públicos, porque já tinham sido aceitos amplamente pela consciência da igreja. A história do cânon estava concluída no Ocidente no começo do século quinto, cem anos mais cedo que no Oriente.
É evidente que nem todos os livros do atual Novo Testamento eram conhecidos ou aceitos por todas as igrejas do Oriente e do Ocidente durante os primeiros quatro séculos da era cristã. As variações do cânon eram devidas a condições e interesse locais. O cânon existente surgiu de um vasto corpo de tradição oral e escrita e de especulação, e impôs-se às igrejas devido a sua autenticidade e poder dinâmico inerentes. Sendo, portanto um fruto do emprego de vários escritos que provavam o seu mérito e a sua unidade pelo seu dinamismo interno. Alguns foram reconhecidos mais lentamente do que os outros devido ao seu pouco tamanho ou devido ao caráter remoto ou particular do seu destino ou até mesmo ao anonimato no tocante a autoria, ou falta de aplicabilidade às necessidades da igreja naquele período. Porém, nenhum desses fatores trabalham contra a inspiração divina destes livros ou contra o seu direito de possuir um lugar na palavra autorizada do Deus Todo-Poderoso.