O quarto livro do Pentateuco recebeu o nome de Números (em grego Arithmoi, que aqui tem o sentido de “recenseamentos”) por causa dos “recenseamentos” (1:1-4:26), que são próprios deste livro e que lhe dão a sua feição particular. Contém, além disso, alguns fatos que se ligam imediatamente aos acontecimentos narrados no Êxodo, e leis semelhantes às do Levítico. Pode ser dividido facilmente, de acordo com os lugares e tempos, em três partes: no Sinai (1:1-10:10); viagens através do deserto (10:11-21:35); na margem oriental do Jordão (22:36).
1a parte. No Sinai: disposições para a partida: 20 dias. Recenseamento das tribos e respectivas posições no acampamento (1:2). Os levitas: seu destino e recenseamento; divisão por famílias e por ofícios. Leis: banimento dos impuros, restituições, ciúmes, nazireato, bênção litúrgica. Últimos fatos: donativos dos chefes das tribos ao santuário, consagração dos levitas, segunda Páscoa (9:1-14), sinais para a partida e para a parada, as trombetas (9:15-10:10).
2a parte. Viagem através do deserto: Do Sinai a Cades: partida e ordem de marcha (10:11-36), murmuração do povo, as codornizes, a lepra de Maria, irmã de Moisés. Parada em Cades: missão dos doze exploradores e queixas do povo; leis sobre as oblações e primícias, sobre o sábado e os filactérios; sedição de Coré, Datan e Abirão, e sua punição e confirmação do sacerdócio na família de Arão; relações entre sacerdotes e levitas, emolumentos de uns e de outros; a água lustral; sedição do povo por falta de água (20:1-13). De Cades ao Jordão: os edomitas negam passagem pelas suas terras; morte de Arão (20:14-29); queixas do povo e castigo, a serpente de bronze (21:1-9); vitória sobre os amorreus e conquista de Basan (21:10-35).
3a parte. Na margem oriental do Jordão: cerca de cinco meses. A matéria desta parte, mais por ordem lógica do que por ordem do texto, pode ser assim agrupada: últimos encontros com os povos da Transjordânia; Balaão e seus vaticínios (22:24); prostituição a Beelfegor (25); guerra santa contra os madianitas e leis sobre a divisão dos despojos (31); lista das etapas (33). Grupo de leis: herança (27:1-11), festas e sacrifícios (28:29), votos (30). Disposições para a ocupação da terra prometida. Segundo recenseamento (26); nomeação de Josué (27:12-23). Distribuição da Transjordânia (32); normas para a ocupação e distribuição da Cisjordânia (33:50-34:12); designação das cidades levíticas e de refúgio (35); disposições para manter inalterada a primitiva distribuição (36).
A julgar pelo resumo, o presente livro compreende um período de cerca de trinta e oito anos e meio. Sobre a maior parte desse período (os trinta e oito anos no deserto) narra-nos apenas uns poucos fatos, mas muito notáveis pelo significado religioso, como a serpente de bronze, a sedição de Coré, os vaticínios de Balaão, a.água brotada da rocha; fatos dos quais os apóstolos no Novo Testamento tiraram utilíssimas lições (I Coríntios 10:1-11; Hebreus 3:12-19; João 3:14-15). No centro do drama acham-se dois fatos semelhantes entre si, duas sedições do povo contra Moisés, executor das ordens divinas; a primeira (14), originada pela repugnância em empreender a conquista da Palestina; a segunda (20), por falta de água. Conseqüência ou punição da primeira foi à longa demora da nação inteira no deserto da península sinaítica; a segunda deixou a mais profunda impressão na consciência nacional e na literatura posterior (Salmos 80:94-105), envolvendo o próprio Moisés, que por um instante duvidou da clemência divina e por isso teve de deixar a outros o remate de sua obra, a conquista de Canaã (Deuteronômios 32).
O livro dos Números é importante para a literatura porque, entre outras coisas, nos conservou fragmentos de antiqüíssimos cânticos populares (21:23-24), com a indicação de coleções – já existentes, como “o Livro das guerras de javé” (21:14), do qual não se tem outra menção.